WhatsApp é a anfetamina da insurreição bolsonazista
Fascistas fanáticos pelo ex-presidente parecem ter encontrado restos de Pervitin dos soldados alemães.
A partir de hoje, estou iniciando uma espécie de sabático de todos os meus projetos de conteúdo. Talvez voltem, talvez não. Criar, entretanto, é diferente de gerenciar ou produzir. Não consigo parar de escrever, por exemplo. Logo, enquanto a Popcafé, O Meu Filme Preferido ou o Estresse Pós-Traumático não são enterrados de vez ou viram outra coisa, criei esta newsletter apenas com meu nome, onde vou escrever sobre o que der vontade, indicar e recomendar o que assim quiser (e quando quiser). Às vezes, vai parecer com a Popcafé, às vezes com outros projetos. Este pequeno editorial antes do texto da semana, entretanto, é para justificar porque você está recebendo uma newsletter na qual não se inscreveu. Fique à vontade para cancelar sua assinatura, não há problema algum. Mas, se ficar, já deixo o meu muito obrigado.
Grupo de golpistas, seguidores do inominável, está sob efeito de uma outra anfetamina
Nas primeiras linhas do ótimo Quando Deixamos de Entender o Mundo, Benjamim Labut conta a história das drogas por trás dos super soldados nazistas na 2ª Guerra Mundial:
“…praticamente todas as tropas da Wehrmacht recebiam metanfetaminas em cápsulas como parte de suas refeições. Comercializadas com o nome de Pervitin, os soldados as usavam para se manter acordados durante semanas, completamente perturbados, alternando entre o furor maníaco e a letargia de um pesadelo, esforço que levou muitos a sofrerem ataques incontroláveis de euforia. (…) Hoje se sabe que as metanfetaminas foram o combustível com o qual a Alemanha sustentou a investida irrefreável da Blitzkrieg e que muitos soldados sofreram surtos psicóticos enquanto sentiam o amargor dos comprimidos derretendo em suas bocas. [grifo meu]
Neste fatídico domingo, 9 de janeiro de 2023, enquanto eu estragava um ótimo dia com a família vendo as notícias sobre a insurreição neofascista, eu não me dava conta de algo que me ocorreu somente nesta segunda pela manhã: nas inúmeras pontes entre o bolsonarismo e os regimes fascistas da primeira metade do século XX, faltava enxergar a conexão mais precisa das alucinações que eles vivem. E a pista estava ali, no Pervitin.
Não é novidade para ninguém, afinal, que graças a um controle informacional intenso, os que financiam a extrema direita no Brasil causaram um estado alucinatório nos bolsonaristas pós-eleições. De modo similar aos seguidores da seita "MAGA” (de Make America Great Again, slogan de inominável americano) nos EUA, os brasileiros fiéis ao covarde inominável acreditam que tudo ainda está organizado por ele e pelo general Heleno. Alguns, em vídeo, afirmam até que a posse de Lula foi um teatro; outros dizem que o atual presidente nem vivo está — é um sósia que tem todos os dez dedos.
Acontece que este grupo, ainda que tenha dado os primeiros sinais de sua violência já nos primeiros dias após a vitória de Lula, até então não tinha cometido investidas especificamente contra o centro político brasileiro. Quando o fizeram, como ontem ficou bem claro, foram tomados por um estado de euforia alucinatória, misturando uma espécie de ressaca de outubro com a dor da realidade se anunciando: seu idolatrado líder fugiu, quem ficou aceitou a derrota e apenas eles sobraram, sozinhos e molhados em seus acampamentos em quartéis.
Fato é que mais do que depredar e quebrar umas vidraças e cadeiras aqui e ali, os movimentos coordenados obedeceram apenas o critério do caos e do pandemônio: rasgaram grandes obras de artistas plásticos brasileiros, destruíram peças históricas do patrimônio dos três poderes, roubaram armas e até uma réplica da Constituição de 1988.
Sem medida para o mal que faziam à pátria que dizem defender e com a devida autorização tácita da Polícia Militar do DF, os golpistas foram além e deixaram registrados símbolos importantes dos seus feitos. Em um dos vídeos que mais circulou, um homem usa a inclinação na frente do plenário do Senado Federal como escorregador, enquanto outros gritam “isso aqui é nosso!”. No mais emblemático dos registros, entretanto, outro fascista segurando uma bandeira do Brasil, defeca em cima de uma mesa no Supremo Tribunal Federal.
Não é difícil reparar como especialmente estes dois últimos exemplos mostram o total estado de êxtase delirante dos que estavam em Brasília. Mas de onde vem?
É de se imaginar que a maioria deles não consome entorpecentes, ainda que tenha se encontrado maconha em alguns acampamentos (o que não é exatamente nenhuma novidade ou problema — senão a hipocrisia, claro). A “dependência sem droga” da nossa geração é justamente a compulsão das redes sociais e do que elas proporcionam.
Tal vício, potencializado pela pandemia de coronavírus e os isolamentos obrigatórios, ganha uma dimensão extra se pensamos nas vivências digitais dos extremistas seguidores do inominável. A dependência desse tipo provoca em adultos o afastamento da vida real, graus de ansiedade e, vejam só, perda da capacidade de autocontrole.
Basta pensar na combinação explosiva que um grupo com características de seita e tão suscetível pode fazer ao receber doses constantes da dopamina que mais anseiam: pílulas de desinformação conspiracionista, sempre sugerindo o extremismo, a perseguição, o negacionismo generalizado. Se ainda há dúvidas, basta rever as imagens. A maior prova do estado “dopado” em que vivem é a quantidade imensurável de pessoas se registrando em vídeos e lives no Instagram e YouTube enquanto cometem crimes contra o Estado.
Longe de ser algo que não foi exaustivamente avisado pela imprensa, pela ciência e pela própria história, o 9 de janeiro de 2023 no Brasil deixa um recado importante: a transformação necessária não tem só a ver com política. Afinal, o ciclo eleitoral acabou e tudo isso está aí. E apenas os julgamentos e condenações não resolverão. O modo como consumimos informação precisa mudar. Derrubar as verticais de financiamento de desinformação é vital, mas a mudança de uma rede precisa ser horizontal como ela mesma se estruturou. Não se consegue convencer um “soldado” eufórico com uma bíblia na mão gritando “em nome de Jesus” enquanto depreda o Palácio do Planalto. Leva tempo e precisa de reabilitação.
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Dicas aleatórias da semana
Claro que a primeira dica é o excelente livro Quando Deixamos de Entender o Mundo, uma das melhores (entre as pouquíssimas) leituras que fiz ano passado. É um livro de ficção baseado livremente em fatos reais sobre cientistas que mudaram o século XX, para o bem e para o mal.
Sou apaixonado, já de longuíssima data, pelo universo de Emuladores e ROMs de videogames antigos. Na minha atual temporada de hiperfoco no assunto, descobri dois ótimos canais. Este aqui sobre a atual “febre” de portáteis prontinhos para jogar e este outro sobre dicas mais avançadas de emulação em si.
No mundo do Tiktok, a trend preferida da vez é o perfil do americano Keith Lee, um crítico gastronômico informal que viralizou provando comidas de lugares que estavam para fechar (e tudo muda com seus 8 milhões de seguidores).