Tarantino faz 60, eu faço 37: vida longa à cinefilia
Nesta edição, comento sobre cada um dos 9 filmes de Quentin Tarantino
Nos últimos dias os rumores circularam de que as filmagens do décimo e último filme de Quentin Tarantino está em produção. The Filme Critic se passa nos anos 1970 e possivelmente trará uma leitura do diretor da vida de Pauline Kael, famosa crítica de cinema norte-americana. Se Era Uma Vez em Hollywood era Tarantino se aproximando cada vez mais de deixar anotadíssimo o seu amor pelo cinema (e sua história), é bastante provável que ele finalize sua obra deixando isso de forma totalmente explícita.
Neste 27 de março, o diretor completa 60 anos. É um dos meus diretores preferidos e não demorou para que eu descobrisse que compartilhamos a data de aniversário. Hoje, chego aos 37.
Em 1986, quando nasci, Tarantino estava perambulando entre escrever roteiros de curtas e atuar em papéis coadjuvantes. Já não era mais o cinéfilo que trabalhava em locadoras e estava prestes a iniciar a carreira em definitivo. Perto de figuras como Monte Hellman, Tony Scott, Oliver Stone e Harvey Keitel, emplacou roteiros e conseguiu financiar seu primeiro longa, Cães de Aluguel. Dali em diante, o sucesso perseguiu sua inventividade, influenciada especialmente pela ação do cinema asiático, o vanguardismo da nouvelle vague, a opulência visual dos faroestes italianos e a violência explícita da Nova Hollywood dos anos 1970.
O diretor há alguns anos promete que não fará mais do que 10 filmes. Acredita que não se deve fazer mais do que isso como diretor, provocando até os colegas cineastas de que mais do que isso estraga: geralmente os piores filmes estão no final da carreira de um diretor que não soube dosar o tempo certo de parar. Difícil concordar, mas bastante difícil discordar. Ele diz, entretanto, que não parará de dirigir: deve aproveitar para produzir minisséries, peças de teatro e outros livros. Ficamos bem, acredito. No mais, nos resta sempre revisitar sua obra. Eis aqui, minhas breves linhas sobre a filmografia do diretor em ordem cronológica:
1992 Reservoir Dogs
O frescor de alguém querendo fazer algo totalmente novo em Hollywood, do jeito certo. O início da brincadeira com as linhas do tempo, o vai e vem da narrativa, a história dentro da história (o melhor do filme), a ultra violência, as impressões sobre o mundo do crime organizado, que permearia seus próximos 4 ou 5 filmes. Envelheceu mal no machismo, mas influenciou uma geração inteira na forma.
Nota: 4 de 5 orelhas cortadas
1994 Pulp Fiction
Demorei bastante a consolidar essa opinião, mas esta é sua obra máxima. A obra-prima definitiva. Possivelmente nunca será superada. Pulp Fiction é tudo que eu amo em seu cinema, sendo pop e desmedido ao mesmo tempo. É um tratado cinematográfico sobre a falência de uma América niilista, sustentada em símbolos vazios e expectativas esquizofrênicas sobre religião, dinheiro e sucesso.
Nota: 5 de 5 big kahunas
1997 Jackie Brown
Tarantino adapta uma pulp fiction. Uma história de amor em meio a uma trama policial. É, na verdade, como toda sua obra, algum nível de homenagem a um certo tipo de cinema que já não existia mais naquela época. Seu filme, no fim das contas, era como os faroestes revisionistas de Eastwood: uma leitura anacrônica de um cinema B que tinha desaparecido e ele tanto se interessava. Mas vinha mais.
Nota: 4 de 5 esteiras de aeroporto
2003 Kill Bill: Volume 1
2004 Kill Bill: Volume 2
O primeiro desse par foi a minha primeira sessão de cinema com um filme de Tarantino. No antigo Cinemuliplex do Mag Shopping. Fiquei maluco. Saí de lá certo de que tinha visto uma das melhores coisas da vida. E era mesmo. Kill Bill é o seu ápice visual, com tantas camadas de referências ao cinema asiático que há ensaios inteiros dedicados a esmiuçar a capacidade do diretor de fazer isso.
Nota: 5 de 5 hatori hanzo
2007 Death Proof
Muita gente considera o seu pior filme ou o mais fraco. Mas este é um dos meus preferidos, de estar no Top 3 mesmo. Eu o considero o completo oposto. Sua primeira homenagem aos dublês e aos carros é um filme sombrio na mesma medida em que bem humorado, deixando claro que seu interesse é um cinema menos compromissado que o habitual. Cheio de cenas meta, esta é uma continuação ao tema do empoderamento feminino que ele destrinchou em Kill Bill.
Nota 5 de 5 Dodges
2009 Inglourious Basterds
O primeiro de seus filmes de revisionismo ficcional é um desbunde com obras que humanizam a figura de Hitler. Aqui, Tarantino mostra que sempre lhe interessa mais a imagem do que a realidade, a história contada do que a verdade. Porque, afinal, até a verdade é uma história contada.
Nota 4 de 5 rolos de filme inflamáveis.
2012 Django Unchained
Seguindo a tendência anterior, aqui Tarantino escolhe a escravidão nos EUA como tema para visitar com sua imaginação. Conseguindo inimizades com Spike Lee e quem mais tenha achado ruim decisões de roteiro do filme, ele desenvolve uma história menos potente que o habitual, mas ainda assim cheia de momentos memoráveis.
Nota 3 de 5 lutas de mandingos
2015 The Hateful Eight
Se Django era seu primeiro western, este é o seu primeiro “faroeste de neve”, fazendo um filme praticamente inteiro dentro de uma conveniência do século 19. Ali, acaba investindo em uma narrativa de “whodunit”, centrada em revelar quem é quem, quem matou quem e por que devemos nos importar com isso. E tem Morricone na trilha.
Nota 4 de 5 ensopados
2019 Once Upon a Time in Hollywood
Na medida em que seus filmes foram se tornando mais longos, Tarantino foi precisando provar cada vez mais a profundidade de suas histórias. E essa é uma daquelas em que ele começa a deixar claro os motivos por trás do seu famoso mote no set de filmagem. Quando tudo precisa ser repetido em mais um take, o diretor sempre puxa o coro “porque nós amamos filmes!”. Pois bem, este é o filme sobre isso, afinal.
Nota 4 de 5 lança-chamas
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Abraços
Ricardo Oliveira