Gostei e não gostei: Motel Destino, A mais recôndita memória dos homens, e mais...
Garra Humana e o filme de estreia da filha de M. Night Shyamalan.
Não gostei: Motel Destino (filme de Karim Ainouz, 2024)
Gosto da sensação meio A Estrada Perdida, do voyeurismo, do humor dos gemidos constantes, das cores em neon vibrante e oleoso, da sensação de suor, de abafado. Do personagem de Assunção como o sudestino que migrou para o Nordeste e se dedica à vida do entretenimento boa-vida, reprimindo seu desejo pelo novo empregado. Do fato de que o motel com tal nome se torna a prisão de Heraldo, uma prisão com janelinhas para as celas (quartos), que precisam ser limpas dos bichos, dos lixos e dos mortos. Do noir-neon. Tudo isso encanta, a não ser pela estranha sensação de que o filme acredita muito nisso, mas não a ponto de transpor a obviedade de suas propostas: a tensão entre os personagens, que se inicia, mas parece sempre uma ejaculada precoce — desculpem o trocadilho, mas quem sabe, sabe.
Visto no Cine Banguê.
Gostei: A mais recôndita memória dos homens (romance de Mohamed Mbougar Sarr, 2023, Ed. Fósforo).
O premiado livro conta a história de um escritor senegalês que vive na França contemporânea e se vê encantado pela obra e a figura misteriosa de um escritor senegalês que viveu na França. Pera aí. É, a ideia é essa mesmo. O autor misterioso, entretanto, viveu seu “momento” pouco antes da 2ª Guerra Mundial estourar e, mesmo que tenha sido aclamado como uma grande descoberta, também foi tratado com a condescendência colonial europeia, buscando seus “exóticos de estimação”. Acontece que nessa investigação sobre um autor misterioso, somos levados a um romance de formação ao longo do século XX sobre um personagem que está o tempo todo escorregando das mãos do personagem principal (que o procura) e das nossas como leitores. Sarr tem uma escrita refinada, interessada em múltiplas vozes narrativas, diferentes registros, tons, mas está sempre passando por uma condução importante: ainda que seu assunto seja o colonialismo, as feridas que ficam nas pessoas por conta das lutas entre países, seu tema real é a literatura. Sua aproximação mais óbvia (está na epígrafe e no título) é com Roberto Bolaño, mas é inevitável a aproximação ao Reparação de Ian McEwan em vários sentidos — sendo a ideia de “expiação” importante aqui, mas não no sentido cristão como McEwan sugere. Sarr está mais interessado em uma restituição cultural e artística e faz isso com elegância constante.
Lido no Kindle.
Não gostei: Os Observadores (filme de Ishana Night Shyamalan, 2024)
É o filme de estreia da filha do homem. Sim, ele mesmo. Depois de “estagiar” dirigindo a segunda unidade de filmes do pai e de dirigir 6 episódios de Servant, série da AppleTV que me agradou até a primeira temporada, ela estreia em seu primeiro longa. É uma adaptação literária, mas também é uma pitada de A Vila (floresta misteriosa) com outra pitada de A Dama da Água (fantasia urbana), com a premissa de culpa de Sinais (alguém morre por culpa da protagonista).
Uma jovem americana solitária, que gosta de fingir ser outra pessoa para curtir a noite dublinense, recebe a missão de ir deixar um pássaro num lugar remoto. Ao passar por uma floresta esquisita, fica presa lá e descobre uma casa onde encontra outros sobreviventes. Com o grupo, ela precisa sobreviver às criaturas noturnas que, todos os dias, aparecem para observá-los.
É uma pena que seja tão expositivo, constantemente. Gosto da ideia de criaturas observadoras que mimetizam humanos, da referência às falhas da IA em nosso mundo contemporâneo. Mas o que sobra de inspirado nisso, falta muito pra chegar em algum lugar minimamente memorável.
Visto no Max.
Gostei: Garra Humana (filme de Sean Durkin, 2023)
Amargo e desprezado no Oscar, Garra de Ferro colhe o fruto mais direto de O Lutador, de Aronofski, mas também da construção de Touro Indomável, de Scorcese. Uma família obcecada pela performance nas famosas lutas livres (as fakes, de TV, chamadas de “wrestling”) começa a viver os percalços de sua própria obsessão. O elemento baseado numa história real, claro, bate forte aqui no impacto gerado ao final do filme. Acontece que mesmo diante de uma direção que tem boas ideias e até poderia ter se soltado mais no que entrega em sua camada subjetiva, tem uma coisa que me pega demais. O filme, em si, é sobre um processo de brutalização familiar. Sobre como um homem que tocava clarinete e uma mulher que pintava paisagens calmas se tornam duas pessoas secas. Sobre como 4 irmãos que amavam estar juntos passam a detestar isso. Talvez para olhares mais experientes soe banal a premissa de que a distância da arte e a aproximação da brutalidade seja causa-e-efeito. Mas há imagens que ficam e uma dessas é a desse cara (Zac Efron) grande feito um armário, fragilizado numa ligação com a esposa, de uma cabine telefônica, negando voltar para casa porque não quer que a maldição de sua família chegue aos seus filhos. Achei forte.
Visto no Stremio (mas está disponível no Telecine Play).
Abraços,
Ricardo Oliveira
Repassando aqui pro grupo do café. hehehe